terça-feira, 6 de março de 2012

DA VARANDA DO LUX

"Recordo-me bem: era a nossa primeira vez, 24 para 25 de Abril, noite “Do-It-Yourself”, no Lux, estávamos na varanda quando nos beijámos. Mais tarde, dirias que havia sido corajoso, talvez porque quando te conheci não estavas grande coisa, fragilizada, dúvidas com anteriores relações, incertezas com o futuro. Chego eu, confiante, intenso, seguro, ajudo a tirar-te da merda, digo que és linda, que vales imenso. Partilho o mais íntimo de mim, sinto que também o fazes comigo, mas vacilas. Queres acreditar em mim. Mas não estás certa. Sentes-te dividida. Digo-te para não teres medo de contemplar em frente. A minha segurança, a certeza do meu amor, atrai-te, mas também te assusta. Começo a relacionar-me contigo como se tivesse que cuidar de ti. Contas-me enigmas, anseios, choras à minha frente. Protejo-te, abraço-te, cubro-te. És linda. Criativa. Espontânea. Calorosa. Nunca me senti tão bem, tão eu próprio, com alguém. Mas, nesse processo, esqueço-me de mim. Do que sou, quero, desejo. Estou sempre a ver aquilo que a relação pode ser, mas às vezes esqueço-me daquilo que realmente é.
Talvez me seja cómodo ter uma relação assim, onde sinta que sou o protector. Talvez me seja difícil, afinal, pensar numa relação, como tanto quero, de igual para igual. Onde ambos olhem na mesma direcção. Madura. Autêntica. A ti confortou-te ter um irmão mais velho. Alguém que te compreendeu, incitou, ergueu. O problema, ainda maior, é que eu também sou o que sou, com fragilidades, dúvidas, receios. Quando mostro isso, vacilas. Não estás preparada para me aceitares, para estares ao meu lado nos momentos em que não sei. Sim, fizeste-me carícias que não esqueço e disseste-me coisas que vou para sempre guardar. Mas foram fragmentos e era necessário qualquer coisa que ultrapassasse o mero fascínio mútuo, a descoberta dos pontos de encontro entre duas pessoas. Qualquer coisa de verdadeiro, orgânico, que passava por saber falar dos problemas, mas também partilhar o ir ao supermercado. Não fugir à primeira contrariedade. Tentar perceber, mesmo, o outro. Gostava tanto de o ter feito contigo. Mas trabalhas, viajas, um amigo que vem, outro que vai, frenesim, nunca te vi parar. Para pensar. E chegámos aqui. Deixei que chegássemos aqui. Deixaste que chegássemos aqui. Hoje lá vieste despedir-te. Lá foste ter comigo, por respeito. Dizes que tens outro. Dizes “isto só podia acabar assim”. E eu penso, sem o dizer, “vai-te foder!” Isso é apenas um pensamento que, a ti, conforta. Estás a falar para ti, não para mim. Não tinha que acabar assim. Acredita, há outras formas das pessoas se separarem. E, entretanto, começas a chorar. Nem me dás, a mim, espaço para o fazer. Fico ali, mudo, a conter a minha zanga. Pensando que te ajudei a fortalecer para acabares noutros braços. Ser rejeitado. Preterido. Custa. Olho para ti, uma última vez, naquele restaurante. Choras, ainda. Pedes-me que te passe um lenço. Faço-o e penso: penso que o problema é esse. Enquanto tu choras, eu não o faço, não me permito. E o que eu queria mesmo era chorar. Ter também quem me passasse um lenço para me limpar. Perdi-te, irremediavelmente. Para sempre. Custa aceitar. Por agora ainda sinto intacto os teus lábios quando te beijei na varanda do Lux. Os teus ombros quando os acariciei pouco depois em tua casa. O sentimento de exaltação vivido na minha varanda quando regressei a casa pela manhã e te enviei um SMS. A tua mão sobre a minha no cinema Londres, no IndieLisboa, dias depois de te ter beijado. A felicidade da tarde contigo na loja do cidadão e numa repartição algures na Avenida da República nem sei para fazer o quê, desde que fosse contigo. Rirmo-nos, incrédulos, ao ver a longa reportagem da SIC sobre o homem que necessitava de cuidados médicos. Os momentos de conflito também, porque importam, não os rejeito. Quando queria ficar contigo e dizias que não. A frustração que me acompanhava, no caminho, até casa. Chamar-te querida. Não era só chamar, era a emoção de me permitir fazê-lo. Passar a mão pela tua face, por ti, toda. Cozinhares para nós. Resmungares por qualquer coisa que não percebia e dizeres “deixa lá isso!” Fazer a cama de tua casa, para sentir a tua satisfação de o ter feito. Sentir que te ajudava, que estava contigo. Os primeiros MMS que te enviei quando foste para o Alentejo, pergunto-me se ainda os terás. O tubarão de plástico azul que me ofereceste, que ainda guardo comigo. Uma relação são tantas coisas. As histórias que me contaste do teu pai e da tua mãe. Os SMS trocados quando estavas na China. Tu, em Nova Iorque, prostrada em frente à montra da loja de animais. O cheiro da tua casa. O teu cheiro. Abraçar-te, com a minha mão sobre a tua barriga. O orgulho que sentia sempre que me mostravas o teu trabalho. O teu rosto, lindo, entrecortado pela lua, quando nos deslocávamos para o teu carro, perto do Fórum Lisboa. Quando te rias. Quando ficavas séria. Tu a descreveres-me o teu avô. A tua família. Tu a dançares. Ver–te a falar com os outros. Comunicares. O primeiro dia deste ano, em tua casa, juntos. A intimidade. Acordar e ver-te acordar, imensamente. Ver um filme contigo e adormecer passado cinco minutos. A tua forma de te vestires. O almoço, com a tua mãe, a primeira vez que a vi, simpatizei logo com ela. O último filme que vi contigo, “O Segredo de um Cuscuz”. Podia continuar, continuar e continuar. Uma relação não é só o que se fez, sentiu, viveu. É também aquilo que se desejou e não chegou a acontecer. Mas agora estou outra vez na varanda do Lux. Durante meses tentei, juro que tentei, sair daqui, mas afinal ainda aqui estou. À frente o azul da água. Um pequeno barco, anda lá ao longe. Acabei de falar com o John, de Baltimore, onde já estiveste. Ouvi-lo foi como ouvir-te a ti. Estava com a Mary, que me fez lembrar a tua vizinha de Los Angeles. Tudo isto é muito, porque estou vivo. Mas também é pouco, porque não o posso partilhar contigo. Gosto muito de ti. Mas, agora, estão a chamar-me e tenho mesmo que ir dançar."

Vitor Belanciano.
Eu amo as palavras do Vitor.

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